sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Provos, Kommune 1, Motherfuckers, Yippies e Panteras Brancas

Provos, Kommune 1, Motherfuckers, Yippies e Panteras Brancas*
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No início do verão de 1965, um panfleto apareceu na cidade de Amsterdã, pedindo que grandes quantias de dinheiro fossem enviadas para o endereço editorial de uma nova revista chamada PROVO. O panfleto afirmava que a nova revista era necessaria:

"— porque essa sociedade capitalista está envenenando a si mesma com uma necessidade mórbida por dinheiro. Seus membros são levados a endeusar o Ter e desprezar o Ser.
— porque essa sociedade burocrática está se chocando com ela mesma, reprimindo qualquer forma de espontaneidade. Seus membros só podem tornar-se pessoas individuais e criativas através de condutas anti-sodais.
— porque essa sociedade militarista está cavando sua própria cova com a construção de armas atômicas paranóicas, e seus membros não podem esperar nada do futuro, a não ser morte certa por radiação atômica."

O primeiro número da PROVO apareceu logo depois e foi imediatamente confiscado pelas autoridades, por conter um diagrama reproduzido do manual The Pratical Anarchist, de 1920, que supostamente instruía o leitor na produção de explosivos. Na verdade, a técnica não funcionava. Esse e outros escândalos fizeram com que a circulação da PROVO subisse de quinhentos para vinte mil exemplares por ano.


Os primeiros ativistas do PROVO — entre eles Roal Van Duyn (nascido em 1942), Rob Sroik, Robert Jasper Grootveld (nascido em 1932), Simon Vinkenoog, Bart Huges e o ex-situacionista Constant — tinham origens basicamente anarco-comunistas e criativas. No entanto, as satíricas ações político-culturais dos PROVOS fizeram com que a juventude insatisfeita de Amsterdã logo se juntasse ao que rapidamente se tornou um movimento.

Amsterdã era considerada um centro mágico e no seu coração estava o Spui, onde, próximo da estátua de um pequeno menino chamado Lieverdja — e rotulado pelos PROVOS de consumidor viciado —, Grootveld vinha organizando happenings semanais desde 1964.

Os PROVOS elaboraram uma série de “planos brancos”: soluções para problemas sociais e ecológicos da cidade, que funcionavam também como provocações às autoridades holandesas. Entre os mais famosos está o Plano de Bicicletas Brancas. Os PROVOS anunciaram num panfleto que bicicletas brancas seriam espalhadas pela cidade para serem usadas pela população em geral. O protótipo desse transporte comunitário gratuito foi apresentado à imprensa e ao público em 28 de julho de 1965, perto da estátua de Lieverdja. O plano foi um enorme sucesso como uma “provocação contra a propriedade privada capitalista” e o “monstro do carro”, mas fracassou como experimento social. A polícia, aterrorizada pela idéia de propriedade comunitária sendo deixada nas ruas, confiscou todas as bicicletas que acharam sem dono ou sem corrente.

Os PROVOS ficaram famosos entre a comunidade médica holandesa quando Bart Huges — um de seus líderes — perfurou um buraco em seu crânio. Huges acreditava que as membranas dentro de sua cabeça poderiam expandir-se como resultado do espaço extra que havia criado, aumentando assim o volume de sangue — e portanto oxigênio — que poderia circular em seu cérebro. O resultado, afirmava Huges, era parecido com a consciência expandida através de exercícios de yoga, ou uma viagem de LSD, mas nesse caso os benefícios seriam permanentes.

A reputação internacional dos PROVOS vem do ataque à procissão do casamento da Princesa Beatrix e do Príncipe Claus von Amsburg, com bombas de fumaça, em maio de 1966. A polícia revidou imediatamente, batendo selvagemente nos manifestantes contrários à monarquia. No entanto, o povo de Amsterdã demonstrou seu apoio à causa PROVO, votando num representante do movimento para vereador nas eleições locais, três semanas depois. Depois disso, tornou-se claro que era apenas uma questão de tempo até que as atividades radicais do PROVO fossem reprimidas pelas autoridades holandesas, e assim, na primavera de 1967, o movimento se dissolveu.

Ao mesmo tempo, em Berlim, o ex-situacionista e ex-membro do Grupo Spur, Dieter Kunzelmann, ajudou na formação da Kommune 1. A comuna juntou-se em março de 1967, e seus membros introduziram ações freaks e happenings políticos ao ambiente conservador da Alemanha. Por suas agitações, foram expulsos da Associação Socialista de Estudantes Alemães. Mas o ódio que suas atividades causavam, vindo tanto de tradicionalistas de esquerda como de direita, apenas aumentava o prestígio do grupo com os mais jovens. Eles logo se tornaram os heróis de estudantes, dos dois lados do Muro de Berlim. A “comuna do terror” (como era chamada pela imprensa alemã) borbulhava agitação política e cultural. Foi na comuna, e através de encontros com seus membros e simpatizantes, que futuros terroristas como Bommi Baumann, do Movimento de 2 de Junho, se radicalizaram. Uma das intervenções mais famosas da comuna aconteceu depois de um incêndio numa loja de departamentos em Bruxelas. Foi lançado um panfleto intitulado “Quando as Lojas de Departamento de Berlim Irão Queimar?”:

"Nossos amigos belgas afinal aprenderam como podem efetivamente atrair a atenção do público para as luxuriosas atividades no Vietnã. Eles botam fogo numa loja de departamento e em trezentos cidadãos saciados com suas fascinantes vidas e Bruxelas transforma-se em Hanói. Ninguém mais precisa derramar lágrimas pelos pobres vietnamitas enquanto lê seu jornal numa opulenta mesa de café da manhã. Hoje só é necessário ir até o departamento de roupas da Ka De We, Hertie, Woolworths, Bika ou Neckerman, e discretamente acender um cigarro no trocador...”.

Apesar do panfleto — e a sugestão de que o incêndio em Bruxelas fora provocado por militantes contra a Guerra do Vietnã — ser claramente uma piada, a imprensa ficou chocada. Mais uma vez a Kommune 1 foi o foco da atenção pública, fazendo com que ficasse cada vez mais difícil para a burguesia repousar tranqüilarnente em suas camas.

Enquanto isso, em Nova York, ex—trabalhadores culturais estavam para renascer como lutadores de rua: os Motherfuckers (palavrão equivalente a “filhos da puta”). Os Motherfuckers (ou “Bota a cara na parede, Motherfucker” com a ilustração de um freak sendo intimidado pela polícia) se organizaram na facção rio Lower East Side dos Estudantes por uma Sociedade Democrática; mas antes desse breve flerte com a política da Nova Esquerda, eles haviam se agrupado em volta de uma revista inspirada no Dadá, chamada Black Mask. Encarnando o grupo Black Mask, sua principal atividade pública era atacar aberturas de exposições em galerias, palestras em museus e concertos de rock. Como Motherfuckers, e mais tarde Werewolves (lobisomens), sua atividade centrou-se em duas frentes — invadir reuniões de esquerda e conduzir uma campanha de atentados — sob o slogan de “Amor Armado” — contra bancos e outros alvos simbólicos.


Outro grupo ativo na mesma época, porém mais preocupado com golpes teatrais do que com ação direta, eram os Yippies (Youth International Party — Partido Internacional da Juventude). Enquanto os Motherhmckers haviam entrado nos círculos freaks pela esquerda de agitação cultural, os Yippies emergiram diretamente da subcultura hippie. Em Nova York, os Yippies organizaram um Human Be-In na Estação Central durante a hora do rush — para a grande inconveniência das pessoas que tentavam voltar para casa — e causaram pandemônio na bolsa de valores ao jogar centenas de notas de dinheiro de um mezanino nos operadores de mercado, que prontamente deixaram seu trabalho para lutar pelas notas. Na Inglaterra, eles causaram ultraje nacional quando invadiram o programa de TV David Frosr Show. A nomeação Yippie de um porco chamado Pigasus para presidente foi parte da intervenção em Chicago, durante a Convenção do Partido Democrata de 1969, oito radicais de esquerda, entre eles os Yippies Abbie Hoffman e Jerry Rubin, foram levados à corte pelo juiz Julius Hoffman no que ficou conhecido como o julgamento da Conspiração de Chicago. Durante essa audiência, o juiz entrou em várias discussões com os réus e seus advogados. Quando o júri se retirou para considerar seu veredicto, o juiz condenou todos os réus, e seus advogados, a períodos de prisão por desrespeito à corte durante o julgamento. O óbvio preconceito do juiz, ao conduzir o julgamento, e as sentenças que deu foram amplamente criticadas; o Julgamento da Conspiração de Chicago tornou-se o mais famoso da história americana. As sentenças de prisão resultantes mostraram que o capitalismo americano era mais opressivo do que os Yippies imaginavam. O movimento se desintegrou lentamente, na medida em que seus membros descobriram que o sistema capitalista era realmente tão maldoso quanto sua retórica tinha dado a entender.

O Partido dos Panteras Brancas, inspirado pelos Panteras Negras, emergiu do Workshop de Artistas de Detroit, em 1968, mostrando mais uma vez que foram ex-trabalhadores culturais que lideraram a radicalização da juventude americana com o recém-desenvolvido estilo freak de agitação política. O principal objetivo dos Panteras Brancas era levar essa agitação para as escolas, e a banda de rock’n’roll do movimento — o MC5 — era a sua arma mais poderosa para atingir esse objetivo. No entanto, em 1970, John Sinclair (líder dos Panteras Brancas) acusou o grupo de ter se vendido. Nessa época, Sinclair estava na cadeia servindo uma sentença de dez anos por ter passado dois baseados de maconha para um detetive de narcóticos à paisana. Outro Pantera Branca, Pun Plamondon, entrou para a lista dos mais procurados pelo FBI por ter supostamente colocado uma bomba em um prérlio da CIA em Ann Arbor.

O estilo freak de agitação, quando utilizado por aqueles dispostos a agüentar a violenta reação que caía sobre eles, era particularmente efetivo, porque representava alternativas tanto culturais como políticas à dominação capitalista. O sistema, ameaçado pela influência dessa vanguarda violenta, reagiu enfatizando na mídia o aspecto “paz e amor” da cultura hippie. No entanto, os militantes não desapareceram porque a mídia escolheu representar de forma errônea o movimento: na verdade, eles voltaram na forma de guerrilha urbana**.

*Home, Stewart. Assalto Á Cultura: utopua, subversão, guerrilha na (anti) arte do século XX (tradução de Cris Siqueira). São Paulo: Conrad, 1999.
*Obviamente, o grande número de movimentos ativos durante os anos 60 faz com que seja impossível cobrir sequer uma fração deles no espaço disponível aqui. Entre os grupos mais interessantes que omiti estão os Diggers de Emmett Grogan, que passaram o úm dos anos 60 fornecendo comida grátis, roupas grátis, alojamento grátis, etc., para as pessoas nas ruas Haight e Ashbury em São Francisco. Grupos Diggers, inspirados pelas atividades de Grogan, espalharamse mais tarde pelos Estados Unidos e pela Europa. Esses grupos representavam um lado eminentemente prático de um movimento que o sistema muitas vezes acusou de ser idealista e pouco prático.

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